Reflexões


O SR. CABEÇA CONFUSA TEM AS RESPOSTAS

O Sr. José Medrado, mestre em Família pela Ucsal, faz jus ao nome pelo qual passo a designá-lo nesta coluna: Sr. Cabeça Confusa. No mesmo artigo (A Tarde, 17/01/2018, p. A3), ele se posiciona em defesa da liberdade religiosa e contra a intolerância, critica a hipocrisia dos políticos e a omissão do ministério público, e, para coroar seu texto em defesa dos oprimidos, declara-se paradoxalmente tributário do racismo.

O Sr. Cabeça Confusa propõe-se a responder a seguinte questão: “...quem é mesmo o povo de santo?”. Ele quer saber quem são de fato, de verdade, realmente, as pessoas designadas pela expressão “povo de santo”.

É razoável que um paladino, que luta em defesa de causas justas, interrogue-se sobre, afinal, quem é mesmo essa gente? Leiam a resposta que o Sr. Cabeça Confusa dá a suas preocupações:

“Uma minoria que, em geral, não aprendeu a exigir seus direitos e ainda, infelizmente, se embeleza para foto com políticos oportunistas. Guardam no inconsciente coletivo de sua descendência de pessoas que foram escravizadas a reverência, o abaixar a cabeça aos senhores da Casa Grande.”

Lembram da “marca no lombo” do Mino Carta? O Sr. Cabeça Confusa, não tenho dúvida, bebeu nas mesmas fontes da turma de CartaCapital. O povo de santo, que luta há séculos no Brasil para assegurar um espaço legítimo no qual possa continuar a expressar suas crenças e valores, é definido como o que não aprendeu a exigir seus direitos. Desculpe-me Sr. Cabeça Confusa, poupe-nos tempo e ensine a esse povo estúpido como deve proceder na defesa de seus legítimos interesses.

Antes, devemos indagar, diante das circunstâncias expostas pelo articulista, se é possível projetar uma aprendizagem, qualquer uma, para essa gente? Vejam, a dúvida é pertinente. Não cabem ilusões aqui. O Sr. Cabeça Confusa sabe, porque está no Aurélio, que o inconsciente coletivo guarda “ideias inatas”. Remotamente, a origem dessas ideias foi a escravidão. Após a escravidão, elas passaram a brotar independente da experiência. Estão lá, guardadas no inconsciente coletivo, e ponto final.

Prostrar-se diante da Casa Grande é, hoje, uma tendência inata entre descendentes de africanos escravizados, assim nos ensina o Sr. Cabeça Confusa, que estabelece uma hierarquia bastante objetiva com suas observações de paladino dos direitos humanos. Como ele sugere, o grande impasse no tema da intolerância reside nos grupos discriminados.

Creio que as argumentações e as inferências tornadas públicas pelo Sr. Cabeça Confusa podem vir a ser decisivas na superação da intolerância religiosa. Primeiro temos que admitir, como o faz abertamente nosso paladino, que ela é em grande parte um produto da incapacidade negra de exigir seus direitos.

Sendo assim, chegou a hora de dispensar esse pessoal cuja subjetividade é orientada para a vassalagem e de buscar favorecer um processo que possa melhor se ajustar às expectativas disseminadas pelo artigo do Sr. Cabeça Confusa.

As diferenças parecem tão significativas que não devemos ter medo de dizer com todas as letras: é chegada a hora de dispensar o povo preto de qualquer responsabilidade nas roças e nos terreiros – e nos tribunais.

É evidente que há um conteúdo preestabelecido na argumentação do Sr. Cabeça Confusa: a convicção de que os brancos sabem exigir seus direitos, não baixam a cabeça, não se deixam fotografar sorridentes junto a tiranos e demagogos, nem reverenciam o poder.

Se entendi bem a mensagem, precisamos dar uma outra qualidade ao povo de santo, se queremos enfrentar adequadamente a intolerância religiosa. A resposta à questão “quem é mesmo o povo de santo?” vai passar (ou está passando?) por profundas alterações.


Edson Lopes Cardoso
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo



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